O dilema do ceramista sobre fazer cerâmica e vender cerâmica

        

Esta sou eu, Julie. Foto: Munir Bucair Filho

        Hoje no Brasil o tipo de ateliê de cerâmica mais comum é aquele onde o ceramista desenha uma peça e ela é modelada por um profissional que tem experiência para copiar e reproduzir essa mesma peça em quantidade. Em alguns ateliês o ceramista, dá acabamento e esmalta, em outros, existe um profissional para cada etapa.

        A questão é que no Brasil as peças de cerâmica artesanais não são valorizadas suficientemente bem para que o ceramista possa efetuar todas as etapas do processo, pois isso torna cada peça muito mais cara do que se consegue cobrar. Então se recorre ao processo de produção em quantidade, que diminui o custo da peça apenas pelo fato de que se receberá o suficiente para manter o negócio funcionando.

Mesmo que a repetição pareça grande, a produção ainda é pequena pois ainda há muitos tipos de peças a se fazer.

       Pessoalmente, gosto de participar de todos os processos, inclusive de produção de vidrados, peças teste e principalmente da modelagem e acabamento de cada peça. Acredito que a evolução do artista está atrelada àquilo que se consegue de fato fazer, pois chegar ao formato desejado exige conhecimento e técnica. Como designer, tenho habilidade para desenhar todo tipo de formato que um copo ou um vaso pode ter, mas só a experiência da modelagem me dá capacidade de realizar essas peças com qualidade.

        Isso não significa que penso que os outros tipos de produção não têm valor. Cada ateliê deve seguir o caminho que acredita e que consegue. E é isso que torna a comparação entre ateliês impossível, pois cada lugar trabalha de certa forma e o produto não é o mesmo. Tem qualidade, prazos, modo de produção, design e preços diferentes. 

O tempo de produção dessas peças não consegue ser embutido no valor final (ainda)

      Então se você busca, por exemplo, copos de cerâmica para presentear seus clientes, e entra em contato com três ateliês diferentes, pode até comparar os preços, mas a qualidade e os valores embutidos em cada orçamento você só poderá comparar pesquisando e conhecendo cada empresa.

      Em quase 10 anos de ateliê, já perdi diversos trabalhos por ter de cobrar muito mais por peças que tinha mais dificuldade em produzir (por habilidade técnica), mas com o passar dos anos, fui aprendendo melhor e as dificuldades técnicas vão reduzindo.

Na produção artesanal, mesmo na repetição cada peça é única. Foto: Vice Filizola

       Viajando pelo mundo, conheci muitos ceramistas que conseguiam viver com uma produção realmente pequena, por ter um trabalho mais reconhecido e mais valorizado. Ainda acredito que aqui no Brasil chegará esse dia, por isso ainda me agrada a ideia de continuar na produção da Entorno, até que eu tenha habilidade (técnica e artística) para poder viver da cerâmica sem precisar produzir tanto.

      O ateliê Entorno hoje é mantido pela produção de encomendas e vendas das lojas física e on-line. Contamos com a produção de 4 artistas: eu, Julie, que faço a maior parte das peças, Inada San, que até pouco tempo fazia peças menores como xícaras e copos pequenos e que há alguns meses está afastado por questões de saúde. Madahh que faz peças de modelo único (não há peças de um mesmo modelo) e faz a costura das embalagens e Celeste que me ajuda nos acabamentos de algumas peças e produz modelos de peças que foram criados por ela. E temos Cauê, que faz os bigodes dos copos de bigode e ajuda em algumas etapas da produção e na manutenção do ateliê.

        Por fim, gostaria de reiterar a minha opinião de que não existe modo errado de produção de ateliê de cerâmica (a menos que haja exploração, aí está errado mesmo). Existe apenas o caminho escolhido por cada artista. 

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